Ciscando Brasas




Ela só molhou e boca
Perguntou se estava louca
Sem se transbordar do pensamento

Se arrastou entre os segundos
Que duravam os olhares
E se deteve um momento

Sórdida imprecisão despertou
Que de sorte encontrou
No ímpeto duma acareação

Suas mãos estremeciam
Quase em silêncio, os lábios liam
O que prometeu de antemão

Acarreta muitas cócegas
No espírito e na face posta
Que encaram meu espanto

Ela vinha tão distante
Num caminho tão errante
Me acertou com seu encanto

Inocente, lhe deixei me distrair
Evolvendo meu devir
Prevenindo-me do arrependimento

Extraí da fantasia
A experiência predizia
Qual o meu contentamento


Divagações De Um Santo




porque, exatamente, driblo meu desejo?
será ele problemático?
será que eu discordo
do que eu próprio ensejo?

sei que me atrapalho
pois dentro dele me vejo
e se dele não me livro
tento corromper o desejo

será que ainda ganho algo
ou será que ele me ganha
num claro jogo de cooptação
em dilema e certeza, ele me acompanha

não me abandona nem me domina
mas desse jeito me alucina
pois vivo com toda sua energia
que me toma em adrenalina

eis que beira a febre
inflamação no sentir
quando escolho não me livrar
mas então o contrário, me nutrir





Bala Perdida

bala perdida




oh, achei uma

bala perdida sempre acha alguém

vamo aproveitar, não é não?
que bala perdida ainda é melhor do que bala chovida


choveu ali  atrás da praça dia desses
chovero nuns três

como se dissesse assim
chô vida pro ceis

num vi nada não
nem sei se alguém viu
alguém viu?
se viu, se num viu,
probremas
tem que ver é os polícia
viru depois tamém
viru depois de já num ter vida
virou depois nota de jornal

foi isso que deu
num deu nada pra ninguém
que ês já num da nada pa nóis
pode olhar no jornal que foi isso q deu
deu no papel passado

quê q nóis faz
deixa esse povo trabalhar
esse povo que solta bala
de um lado e do outro
e que num cansa de trabalhar

não sei quem que faz essas bala
de onde  sai tanta bala
sei que  já chega de bala
e do povo que vai embora embalado
mas gritamo chega
e ês num ouvi nada

Marco




Se é um marco
São marcas profundas
Serão um marco em nossa história
Nem São Marcus diria
Que ao levarmos uma lavada de lama
Para que mostremos a outra margem


Marginal sim,
É a dignidade humana
Tão quanto imaginária é
A sacralidade da natureza
Que está pra além de algum resgate
E até a parte que ainda nos resta
A depender de alguns, Vale nada
Não demora e outra torrente ainda desaba
Derramando uma torrente de histórias da gente enlameada



Quanto Vale?
Quem paga?
Paga a quem,
pra ter tudo apagado do mapa?


Não duvidaria,
Em alguma nota de fim de página
Dos laudos onde terminará essa tragédia
Alguém em profundo arrependimento
Alegar insanidade
E orar para que ainda ignoremos sua existência


Rogo eu,
Pra que não caiamos nessa inocência
Demasiado crédulos em algum milagre
E por isso faltemos com a ciência
Que nunca deixou de nos avisar dos fatos
Nem colaborou pra tornar a gente ingênua



Se é um marco
Que não fujamos da realidade
Marquemos a página do nosso próprio relato
Dessa nossa história, a ser repassada e estudada
E que peçamos ajuda, aos céus e à Terra
Pra desfazer esse nosso erro
O qual cabe o único mérito
De ser o marco de uma nova era
Na qual construiremos do barro e do ferro
Uma terra onde a paz vença a guerra
Onde não mataremos nossos próprios sonhos
Vigiaremos nossos planos de ganância
Amansando de vez aquela fera
Que finge de ferida sempre que lhe negam um capricho
Pois o tempo da cobiça e da birra já era
Só em um marco, essa febre se encerra



Escombros de uma dialética





Escuta
Me escuta
Conversa não pode ser disputa
Onde você sempre tenta me botar numa sinuca

Malha que não se sustenta
Enquanto agente se enfrenta
No meio do caminho o fio se arrebenta

Fica então o  desafio
Não deixar o carro sair  do trilho
Olhos que se olham já não compartilham o brilho
Frutos secos de um diálogo semeado no vazio

Como poderia ser, se em meados da história
Um deixou de ouvir o outro, seus miados de revolta
Calando com seu juízo,  emendando a memória
Com o que cada um acha dos atos, emudecendo os fatos
                               
Parto ressabiado da indecisão
Enfesando a impaciência que resta
Pio uma palavra a cada passo
Ventos abalam o meu retorno
Luta que insiste na escuta


A Princesa e o Pebleu




Ele queria ser
Mas não podia
Mesmo assim queria

Mesmo não sendo
Algo já era
Como se ignorar
Como se considerar

Como se contentar
Ser plebeu e não ser princesa




O poema entrou em dilema
Seu ecossistema
 Estava sem tema





Poeta buscou uma antena
Pra saber, decidindo no escuro
Se seria ao microfone ou à pena

Minha Batalha







Não, não sou agressivo
Radical, sempre indo na raiz
Extremista, nunca, jamais
Violento, não me leve a mal
Não gosto de nada letal
Nem pro corpo, nem pra mente, nem pro espírito
Meu alívio é poder fundir paz com excitação
Sem ter que medir a energia
Com receio de ser mal canalizada
Por quem só age com malícia
O sarcasmo que cedo já ardia
 Me ensinou a me conter
Meu orgulho, de não querer me arrepender
De conhecer a dor em reconhecer a falha
Me pôs em batalha com meu próprio ser
E nunca cansei de perder



Da Sensualidade




Em toda sensualidade
Se resguarda um mistério
Referente ao que aponta
Pra além do objetivo

E quando objetivos se frustram
Misteriosamente, sensualidade não se esvai
Olhar dado, ou olhar pedido
Evidenciam o poder no ar

A graça não perpassa a competência
Está mais pra teimosia preguiçosa
Pra perfeição desregrada

O que se acha é o que não se vê
E o que não se vê é o que nos acha
E que nos prende como que uma liberdade atada




Tibum

Amanhece mais um dia
Com tempo reservado pra poesia
Que se não damos tempo pra amiga
Ela nos assalta
Rouba nosso tempo
No qual não tínhamos direito de não adimití-la
Caiamos de cabeça
Tibum nessa linda:







Passageiros (em uma respiração só)


Somos passageiros
Passageiros nesta vida
Nesta vida desgraçada
Que nos faz lutar por nada
E que nos dá a fala errada
Vejo naquela calçada
Atores por toda a parte
Os personagens 'stão no hospício
Herói que viva é fictício
Amor que exista é um delírio
Pensamento é proibido
O teu texto tá escrito






 texto de 2004, nos idos 15 anos

Estranho





Estranho?
Eu não sou estranho

Estranho
Você é estranho?

Estranho
Duvido que seja estranho

Estranho
Você não é estranho

Estranho
Mas o que é estranho

Estranho
É ser normal







Oração Pela Nossa Casa



nossa casa não será endereço pro inimigo
abrigo só pros que estão do mesmo lado da luta
disputa não é permitida em solo sagrado

mas trago a palavra pra deixar atentos os desavisados
estamos vivendo em território de guerra
se acelera a marcha dos bestializados

soldados no fronte sucumbem isolados
desanimados, invadidos, nos convencemos de ser coitados
cortada nossa força, cortada será a fala
e não mais fará sentido assistir sem fazer nada

reagí-vos, irmãos, antes que a completa surdez e cegueira nos amarre
pra viver num mundo sem gosto, sem tato
com o desgosto corroendo cada sentimento
na maldade corrente, esqueceremos de nós
lembrando levianamente o quanto o mundo foi sempre amargo

reagí-vos, irmãos! Não nos deixemos isolados
ocupemos a nossa casa com os nossos
nos façamos reforçados



a ser declamada


mulher d'a vida
não reclama
não desaba frente os dramas alheios
ou a suas próprias olheiras

mulher d'a vida
trás pro mundo os encantos humanos
mesmo quando é levada a ver
teu fruto em desengano

mulher d'a vida
pelo trabalho, no di’àdia
servindo ao homem
pela sua cria

mulher da vida
por uma esperança que lhe alivie
de estar entregue num mundo que lhe dói
e nem por isso, o resto se incomoda

mulher d'a vida
por tudo o que um dia
na moda de ignorar feridas
na ausência mais sólida dos sonhos
se acomoda

Massa Demais

Homem,
Erga teu rosto
Estufa o peito
Diz com todas as letras:
Hoje sou brasileiro!

kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

É uma afirmação ao menos
De alguma identidade
Que lhe garantem por direito

De qual ideologia
    tens sido refém
De qual sociedade
    tens sido o defeito

Em memória de Fernando Brant

Fé não anda Branda
Com alma assim radiante
Fé nadou Adiante

POR CONVENIÊNCIA



Veja bem, meu bem
Nas músicas que farei, ou as que fiz
Nunca cantarei o quanto sou perfeita
Talentosa, ou linda
Ou o quanto mereço à ti

Sabe, eu me dou valor
Onde quer que eu for e se for pra cantar
Sobre relações e paixões
Quero fazer com amor
Sobretudo com amor próprio
Sobretudo incluindo a mim

Não vou dizer que estou muito boa
Só direi que estou muito bem essa noite
Como também não mostrarei o quanto sou gostosa
Mas sim como pode ser gostosa a companhia sua

Se você me quer apenas para sexo casual
Posso até ser opção
Se quiser realizar uma fantasia sexual,
Que seja tua, e não da televisão
Me se o nosso sexo for somente
Pra te render boas histórias
Pra desfilarmos em frente aos amigos
Ou pra escondermos essa solidão
Que não suportamos carregar lá dentro

Pois se mesmo juntos não estamos sendo
Sendo realmente um com o outro e plenos
Nos distanciamos, nos satisfazemos
Fingindo o prazer na intimidade que não temos
Cumprindo papeis que nem nos dizem respeito
Embora sejamos respeitados, não nos damos o respeito
Aquele que reflete na alma e não engana o espírito

Pêlo Feminino

Mulher, eu olho pra você
E te acho muito gata
Só fico imaginando
Como ia ser bom te ver pelada

Não se despele mulher
Pelo frio e pela mata
Nunca vi gata despelada
Não se despele, seja gata

E se algum besta increspar
Dá nele logo uma garrada
Pra ele ficar perdidinho
Pêlos segredos de tua mata

Não violente a tua pele
Impelindo-a à ignorância
De uma roupa natural e íntima
Intimidada pela sindicância

Apelando pro bom senso
Com todos os pelos e apelos
Que em meu corpo sobrevivem
Peço pelo amor de Deus

Não se despeça simplesmente
Dessa linda roupa que nasce
Naturalmente embelezando
E abalando a cada toque rente

Caros Alienistas




 




    As pessoas estão dispostas a mudar a si mesmas?

    As coisas estão dispostas de modo a não podermos vê-las?

    As opções estão impostas num cardápio sobre a mesa?


    As opiniões surgem compostas de verdades obscenas?

    Vira um jogo de respostas sem mudar o fim da cena?

    Atitudes são depostas na realidade em que os aliena.



Partida em Partilha



Te convido a uma viajem
Que não é viajem sem volta
É realmente viajem sem destino
Viajemos pro desconhecido

Pro desconhecido em mim
Pro desconhecido em ti
Pro não estabelecido
Pro chão ainda não percebido

Caminhar descalço
No encalço do perigo
Com o medo amigo
Sem fugir da sombra
Que irá nos seguindo

Faremos graça
Da desgraça
Que de outro modo
Ela nos abraça

Andaremos em voltas
Ou daremos reviravoltas
Sei que não teremos escolta

A nos seguir, teremos o calor
Hora o frio
A nos acompanhar
Sempre o ombro amigo
A nos solicitar
Estará o passado
No nosso encalço
Mas tomemos de bom grado
Ainda melhor do que ele nos abandonar
Pois sem futuro também estaríamos
E o presente só
Não é nada mais que um laço
Preso ao nosso calcanhar
Nos pondo a andar amarrados

Essência Vigente

Me conhecendo

Acredita?

Anos e anos… me conhecendo

Cansei de contar os anos
e ainda me conhecendo

Houvera uma busca
houve até ressentimento com o mundo
busca rebuscada em procura de mim

E estou aqui
me conhecendo
a mim que não cesso

Teatro Armado



Rolé na Praça da Glória é um programa legal
Fui lá pelas setes horas proveitar meu sabadão
Na roda de capoeira fui ver o povo jogar
Não quetei, entrei foi nas palmas e com ês comecei cantar

Do nada, tudo igual, senti a movimentação
Ma tropa policial que chegou sem expricação
Alguém cantou "fica esperto" pra ninguém marcar bobêra
Mas parece que num era com nóis, passaram direto num deu ninhum probrema

Capoeira, que trem mais bonito, o jogo das pernas, o canto e o batido
Foi chegan'nos finalmente, a dança armentano o agito
Mas a farta de respeito antes da roda terminar
Ligaram um som na praça e começaru a testar
Atrapalhando a ideia que o mestre ia trocar

Antes de sair dali pra dar um rolê na praça
Chamei os capoeiristas pra fazê o F5 na raça
Cultura independe de produção popular
Não tem logo de prefeitura, nenhum rabo preso pra se preocupar
O maior apoio que temos é mesmo do público a participar

Fui dar o rolê pela praça, tive que andar na grama
Pois no meio do caminho, nem credito que disgrama
Um tar de tático móvel com as luzinha ligada
Quase perguntei pro PM se aquilo era mesmo coisa que se faça
Se ele tinha arrumado alvará pra andar de carro no meio da praça

Mulecada pra todo lado tava levando batida
Mas isso num intimidava, só irritava os polícia
Enquant'isso no microfone gritavam Só Jesus  Salva!
O guarda aborda um minino e manda arriar as carça
Falando que era apologia a folha duma planta que tinha estampada

Me chega o tal guardinha pagando de certinho
Com uma prosa de quanto é perigoso o rolé dos minino
Dizendo pra minha amiga que o condenou no olhar
Que se não fizesse aquilo, os jovens se amavam no meio na praça
Pois depois de bater nos moleques até responderam mandando pedrada

Tava esperando uma tar de Batalha de Passinho
Me falaru que era na Glória e era organizada por alguns minino
Mas parece que a galera do culto evangélico
Pôs pra tocar um Hip Hop, aí não teve Funk nem teve passinho
Teve foi um Street Dance com um animador que disseru que é gringo

Saí daquela praça um tanto quanto admirado
Com a riqueza da cena que tinham me apresentado
Se eu fosse sociólogo, teria a tese prum doutorado
Mas como não sou doutô, dou no verso o meu recado
Vem ver a periferia provocar no centro um teatro armado




(em breve (não se sabe quando) uma gravação haverá deste poema em moda de viola)

A Lei



ser bom não é concordar com a lei
ser bom não é concordar com a lei
não é seguir a lei
ser bonzinho é achar a lei bonita
ser bonzinho é seguir tudo bonitinho

ser altruísta é rezá-la antes de cada conduta
é dar exemplo constitucional
sobretudo quando a lei é ambígua

ser sábio é saber seguir a lei até em suas contradições
e ludibriar os demais de que se darão tão bem quanto ele
seguindo a lei
dando o exemplo do quanto é bom seguir a lei


tenho seguido, sim
tenho seguido também
seguido seus passos
suas voltas e  reviravoltas
em cada parágrafo,
cada linha revogada

quando me embaraço
não sei o que faço
por vezes é tudo permitindo
sendo omitido o que não posso
noutros tudo é proibido
ou sou só eu e não o outro
essa parte as vezes me confunde

mas sei que essa lei que sigo
essa lei não é minha
lei que barganha direitos e deveres
creditando oportunidades de sermos bonzinhos
ou de estarmos em dívida com o bom caminho
eu que sempre gostaria de trilhar outros caminhos
ao invés de me perder, ou chegar num pedágio

Mim Em Oração




meu ser interior, esteja comigo
meu ser interior, me dê abrigo
meu ser interior, me assista em qualquer lugar onde eu possa estar
meu ser interior, me ame, me governe, me ilumine
meu ser interior, quero ser teu cúmplice
não quero nunca de dar um bolo
furar contigo me fere
não deixe que eu me perca de mim
não me abandona, não me alieno de te
não façamos tratos, acordos, contratos
façamos simples assim
eu não me esqueço de tu
tu não te ausenta de mim



Sexo em Poesia

pensa que sexo não combina com poesia, então 

deixe eu te tocar por dentro
em contato profundo
do encontro de almas
segue a explosão dos mundos

erupções que não se contentam
pois energia retribuída não se esvai
circula, concentra, um polo, dois polos
se atraem, se ligam
ligações trançadas
histórias transadas
vidas transpassadas
simbiose voraz

linguagem lambida
em toque de línguas
mensagem despida
de toda entrelinha
desperta inocente
descoberta incessante
do amante em deleite
que o sentimento anima

cúmplices no desejo
e na partilha do gozo
no que faz poderoso
o momento comungado
unifica corpos
unindo vidas
num único ato

ter sido apenas
tecido a dois
tecida fica
uma relação pra depois
um depois cheio do agora
e sem esperar pelo depois
cheio de hora
pra mais depois



em homenagem ao poeta Wilmar Silva,